Tive um
bom professor de Português que nos aconselhava a nunca levar a sério uma frase
que tivesse três palavras seguidas começando com a letra "p". Dizia que era
melhor escrever "p", assim, entre aspas, que "pê". Este "pê", alegava, era o
nome do "p" com o sapato apertado, um pé achatado por um circunflexo feito uma
cruz numa sepultura. Ele passava do cômico ao dramático ou patético com
facilidade, chegando a emocionar-se quando ouvia músicas do Evaldo Braga. Jamais
entendi as razões do meu professor contra o "pê" e menos ainda com a sua
triplicação. O título desta crônica, "Parar para pensar", não receberia,
portanto, a aprovação do meu professor. Nem esta última frase empolada e
implicante.
Meu professor tinha suas idiossincrasias, palavra que considerava de uso preferencial de idiotas cheios de manias, mas que nos ensinava a pronunciar corretamente por dever de ofício. Segundo ele, devíamos evitar os lugares-comuns, mas respeitar a sabedoria embutida neles por séculos de inteligência cotidiana. Não sei quanto tempo de vida já tem a expressão "parar para pensar". Sei que ela faz sentido. A vida obriga-nos, cada vez mais, a pensar em movimento, no "piloto automático", fazendo esteira, indo para o trabalho, tomando banho, fumando no lado de fora ou lavando louça. As leis antitabagistas, com a criação dos fumódromos, estariam estimulando o "parar para pensar". A única ressalva é que, se funcionasse mesmo, digamos, a médio prazo, as pessoas sairiam do fumódromo e parariam imediatamente de fumar.
Lavar louça sempre foi uma maneira eficiente de parar para pensar. Nos meus vários anos de Paris, lavava louça todos os dias. Fiz uma excelente tese de doutorado. No Brasil, o trabalho doméstico barato e a exploração da segunda jornada de trabalho feminino faz com que os homens tenham poucas ocasiões para parar para pensar, o que talvez explique a persistência do nosso comportamento machista e conservador. Meu professor riscaria de vermelho esse hediondo "para parar para pensar". Diria, para e pensa antes de escrever. Outra alternativa, era aproveitar as noites de insônia. O sujeito, depois de muito se revirar na cama, aproveitava para colocar (ia dizer pôr) os pensamentos em ordem, supondo-se que haja uma ordem no misterioso mundo dos pensamentos. O avanço da farmacologia vem diminuindo também essa possibilidade.
O interessante é que, quando a gente para e pensa,
nunca dizemos: "Nossa, eu fiz tudo certo". Pensar sempre em movimento gera
desequilíbrios vertiginosos. Criticamos os clichês, mas não vivemos sem eles.
Meu professor dizia que o clichê é uma fotografia da nossa linguagem diária. Só
paramos para pensar quando já é tarde. Pensei nisso tudo ao conhecer, na saída
de um hospital, uma senhora de 96 anos, gentil, simpática e cheia de histórias
coloridas, Dona Anita. Ela me olhou nos olhos e disse: "Meu filho, pare para
pensar enquanto é tempo". Perguntei-lhe sobre o que eu deveria pensar em
primeiro lugar para não perder tempo. Ela parou, pensou, esfregou as mãos e
determinou: "Comece pensando sobre o tempo".
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