O
espetáculo de quem anda sobre um cabo de aço é deveras emocionante. Sempre fico
com o coração na boca quando assisto a exibição de um equilibrista pisando nas
alturas, em cima de um fio de aço esticado numa espessura delgada, que à
distância, parece capilar. Para mim, o contrabalançar o corpo proporcionalmente
naquele caminho estreito, se constitui um feito de magnitude extraordinária no
domínio emocional. Compensar os movimentos no malabarismo da corda bamba é um
show à parte, mas harmonizar a soberania de Deus com a responsabilidade humana é
um acontecimento muito mais notável.
No
terreno que compreende a natureza espiritual é muito comum o desequilíbrio das
posições teológicas inclinadas para um lado só. Freqüentemente percebemos que há
correntes particulares atraindo para um estilo que focaliza apenas uma ênfase,
sem considerar o equilíbrio das partes. O exagero é uma tendência de certo grupo
de pessoas que se sentem confortáveis esposando essas posturas mais
extremadas.
(...)
O exagero
na interpretação comumente causa um estrabismo na visão, desfigurando a
realidade dos acontecimentos. A soberania de Deus não invalida a
responsabilidade humana, pois foi o próprio Deus soberano quem decretou que o
ser humano seja responsável pela decisão dos seus atos. É verdade que o homem no
pecado não pode escolher a Deus, mas é verdade também, que o homem escolhido por
Deus precisa receber de modo deliberado a escolha divina, como expressão do seu
querer, conquistado pela vontade de Deus.
O
equilíbrio mostra que Deus escolhe a pessoa, mas a pessoa escolhida toma a
decisão de seguir optativamente quem o elegeu. Há uma participação decisiva do
ser moral diante da vontade de Deus. O grande perigo fica sempre por conta de
posições extremadas, que ora enfatizam uma soberania sem responsabilidade
humana, ora uma imposição dos encargos humanos sem a consciência da soberania de
Deus. Mas observe como o próprio Cristo Jesus consegue conciliar numa única
pessoa as duas naturezas que evidenciam a inteireza divina e a integralidade
humana, sem a menor disparidade.
A
experiência cristã genuína é bem compensada e perfeitamente adequada, levando
sucessivamente em conta a soberania de Deus e a responsabilidade moral do ser
humano. Não é possível admitir essencialmente um Deus justo, com um caráter
déspota, nem um ser moral responsável, sem o exercício de sua decisão. Com toda
certeza, Deus é soberano, mas nunca violenta a deliberação da criatura. As duas
partes carecem andar juntas para produzir a estabilidade e simetria da
experiência, sabendo, entretanto, que a soberania divina é a causa primeira da
resolução humana.
A
salvação de Deus não extingue a personalidade nem abole a atuação do sujeito
envolvido, ainda que nenhuma glória humana esteja relacionada nessa atividade. A
crucificação do eu junto com Cristo, na mesma cruz, não se constitui na anulação
da individualidade, tampouco preconiza o extermínio da decisão pessoal. O
egocentrismo pretensioso nada tem a ver com a incumbência individual de
deliberar, nem a morte do eu suprime a capacidade da pessoa assumir o
compromisso consequente de um ser moral ajuizado. Deus não exige do homem
natural uma conduta fora do seu padrão, mas pela graça confere as condições para
a nova criatura responder segundo a sua vontade divina.
(...)
O
verdadeiro cristianismo é uma dança na tensão da corda bamba. Só a graça de Deus
pode realizar tudo na vida do cristão. Só o cristão equipado pela graça pode
responsavelmente tomar a posição de andar sobre o fio da fé, obedecendo de
coração tudo aquilo que o soberano Senhor lhe capacitou para obedecer. Sob o
padrão da cruz, onde o Deus santo e o homem do pecado se identificam numa mesma
pessoa, para harmonizarem as partes envolvidas no litígio da reconciliação, nós
precisamos andar adequadamente na aliança da soberania de Deus que decretou o
compromisso humano responsável. Amém.
_Reinaldo
Fonseca_
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