Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa.
Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde,
esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda
no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no
espelho.
Com
os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos
poucos: a pilha de jornais ali no chão ninguém os guardou debaixo da escada.
Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar
parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se
iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença e todas as aflições do dia,
como a última luz na varanda.
E
comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada – o
meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? As suas violetas, na janela,
não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa, calço a meia
furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora,
conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora,
por favor.
(Dalton Trevisan)

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