(trechos
do diário de uma viagem)
Ninguém
era capaz de entender o que ela sentia... Não inteiramente. A liberdade e calma
conquistada a cada passo solitário dado entre ruelas estreitas e charmosas.
Entre história, beleza e monumentos. Entre os sons de idiomas incompreensíveis,
de pessoas que marcariam sua vida e de um amor que ficaria guardado para sempre
em um baú de tesouros especiais. O anonimato completo nas cidades recém
apresentadas era um bálsamo. Nada de cobranças ou expectativas em relação a ela.
Lá, ela observava, e se deliciava.
Essa
mulher nunca imaginara que um dia viveria isso e muito menos que se sentiria
surpreendentemente em casa, como se ali, sob o sol morno do inverno, ela sempre
tivera tido um lugar reservado a sua espera. A cada olhar, uma agradável visão.
Por vezes se encantava mais com os postes, árvores, sons, pessoas e cores do que
propriamente com os pontos turísticos. O ritmo mais lento das cidades quase a
fez esquecer que dias antes lutava contra o tempo para suprir suas necessidades
e enfrentar suas responsabilidades, sentindo-se fraca para suportar a dor nos
ombros pelo peso carregado. Desejou com todas suas forças encontrar um caminho
para perpetuar essa sensação que poderia ser eterna.
A volta,
mesmo planejada, foi brutal e cruel, um ato de violência contra seu espírito
ainda tão sedento de novas experiências, outras informações e mais desconhecido.
Em menos de uma semana de seu regresso à casa, o peito aflito já sentia a nuvem
de pressão, angústia e frustração se aproximar ameaçadoramente, envolvendo-a
como uma camisa de força. Envolvida por essa densa ameaça, esforçava-se para
levantar a cabeça em busca de visões e sensações, naquele ambiente já tão
conhecido, que pudessem ter passado despercebidas tempos antes. Teria ela
direito a se sentir assim? Depois de conquistar um sonho que muitas pessoas
nunca experimentaram? Ela que já havia passado por tantas situações difíceis e
sofridas, iria se abater assim tão rapidamente? E depois de ter vivido a maior
injeção de energia de sua vida? De certo modo, pela primeira vez em sua vida,
ela sentiu que poderia ser plena. Que não era uma louca sonhadora como julgara
ser por toda sua existência.
E o que é
a loucura?
Viver,
sonhar e pensar fora dos padrões dos quais fomos ensinados a viver? Ser
diferente do comum? Seguir as regras e caminhos que não coincidem com a maioria?
Pela lógica, se você deseja algo incomum, ora o caminho fatalmente deverá ser
diferente. Isso é lógica ou loucura? Ou a loucura está em desejar? Temos que
desejar o mesmo? Temos que renegar nossos desejos mais instintivos para não
sermos loucos? Isso sim parecia a ela uma loucura. Pois essa louca sonhadora
havia conquistado um sonho. Não precisaria ser o último sonho conquistado. Ela
poderia seguir sua vida sendo simplesmente ela mesma. Sonhando, com a a cabeça
fervilhando de ideias. Nem todas ideias vingariam , nem todos sonhos se
realizariam, mas ela seguiria até encontrar algo mais.
Sua
criatividade, coberta de pó, adormecida em um canto escuro, desanimada por sua
teimosia, aos pouco percebeu que era hora de despertar, pois cansara de se
sentir entorpecida. A mulher que fora viajar sentindo-se vazia, voltou repleta
de novos sonhos e se uniu a sua criatividade novamente. Em tempos de tristeza,
trabalhariam juntas para encher os espaços vazios causados pelo medo e pela
frustração. Ela, que antes de ir não era mais capaz de escrever cinco linhas ou
esboçar um novo desenho, ao voltar havia preenchido freneticamente mais de cem
páginas de um caderno pequeno, pincelando em suas linhas, pensamentos,
sensações, histórias, lembranças e desejos.
E seu
lado racional que no cotidiano se fizera tão forte, mesmo em sua zona de
conforto, teve que admitir que não... não fora um sonho, mas sim a realização de
um deles. E prova disso é que a razão teve que ceder espaço, perdeu parte do seu
poder e terá que conviver amigavelmente com a desordem dos sonhos e a força dos
desejos.
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