sexta-feira, 28 de julho de 2017

Por que ficar aí sozinho, se juntos podemos mais?

Uma rede global que decifrou todo o DNA humano, uma enciclopédia virtual escrita continuamente por milhões de pessoas, um grupo de profissionais independentes que se juntaram em um mesmo espaço para reduzir custos, um projeto financiado por quem vai usufruir dele. Definitivamente, a wikieconomia já começou.
Em 2006, os pesquisadores Don Tapscott e Anthony D. Williams – com o livro Wikinomics: how mass collaboration changes everything (no Brasil, Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio) – chamaram para si a atenção do mundo, ao afirmarem que a colaboração estava transformando profundamente a forma como as economias funcionam, mesmo sem nós percebermos claramente. Na época, houve quem visse com descrença ou sequer conseguisse compreender o significado daquilo. Naquele mesmo momento, entretanto, algumas das maiores empresas do mundo já estavam testando o modelo, que hoje é o motor do sucesso de grandes companhias, como Google e Facebook.
A colaboração na economia é mais antiga do que se pensa. Com origens na pré-história, ela atravessou milênios e hoje está presente de forma muito orgânica, por exemplo, nos chamados softwares livres, que nasceram sob uma bandeira libertária e acabaram conquistando até mesmo as grandes empresas, como a IBM, que atualmente trabalha baseada fortemente em sistemas operacionais Linux, que têm código aberto e podem ser manipulados independentemente dos seus desenvolvedores.
Na internet, a iniciativa colaborativa mais conhecida como tal é a Wikipedia, uma grande enciclopédia virtual multilíngue atualizada diariamente por pessoas de todas as partes do mundo e que, em algum momento da sua vida, você já deve ter utilizado.
O potencial da colaboração para os negócios, entretanto, não é exclusividade de grandes companhias ou dos grandes projetos. Na verdade, muito pelo contrário. É através das pequenas iniciativas que a ideia tem se difundido e ganhado adeptos em todo o mundo.Há ainda casos emblemáticos, como o do Projeto Genoma Humano, que decifrou o nosso DNA reunindo pesquisadores de vários países, e o da Procter & Gamble, que resolveu criar um centro de pesquisas virtual em que pede a colaboração de profissionais e estudantes do mundo todo e, caso as ideias sejam aproveitadas, remunera seus autores.
Sós, porém juntos
Todos juntos, mas cada um no seu lugar. É mais ou menos essa a ideia dos chamados coworkers – profissionais que se unem para dividir um mesmo espaço, como em uma empresa comum, mas todos são, na verdade, autônomos. “Em uma descrição mais formal, coworking é um espaço físico para trabalho onde as pessoas compartilham toda a estrutura e recursos disponíveis no local, como mesas, cadeiras, computadores, impressoras etc.”, explica Jadson Costa, integrante da agência Usina Interativa, que adota essa proposta.
O fato de cada profissional realizar o seu trabalho de forma independente, entretanto, não significa isolamento. “Se fizéssemos uma tradução livre, quase literal, poderíamos dizer que coworking é ‘trabalho em conjunto’. Só que, na prática, esse conceito não para por aí. Coworking agrega a ideia de convívio em grupo, troca de experiências, descoberta de afinidades, união, interação entre pessoas que compartilham não só seu espaço de trabalho, mas também ideias, projetos, conquistas”, complementa Jadson.
Reunidos, todos reduzem custos e, principalmente, viabilizam a interação entre pessoas de áreas distintas que acabam compartilhando experiências e aprendizados de fora da própria área de atuação. “A interatividade e o networking são os pontos mais importantes do coworking. Eles tornam a experiência muito válida, afinal, somos seres sociais e precisamos interagir com outros”, destaca Karin Keller, outra integrante da Usina.
Jornalismo colaborativo
Você nunca parou para se perguntar sobre como os repórteres encontram, por exemplo, pessoas que possam falar acerca da experiência de ficarem presas no elevador para uma matéria sobre Síndrome do Pânico? Pois bem. Isso não é mesmo tarefa fácil e, muitas vezes, demanda até alguns meses de pesquisa. Mas isso ficou mais fácil depois do Ajude um Repórter, um perfil no Twitter que virou site e hoje une jornalistas e fontes numa mesma base mediante um cadastro simples.
“O Ajude um Repórter surgiu após observar iniciativas semelhantes de crowdsourcing (algo, mais ou menos, como “trabalho em massa”) nos Estados Unidos. O que me impressionou é que uma ideia tão simples, de unir o jornalista à fonte, poderia fazer uma enorme diferença para diversos profissionais”, conta Gustavo Carneiro, idealizador do projeto.
A migração do Ajude um Repórter do Twitter para uma plataforma própria, com funcionalidades mais eficientes se deu com a ajuda de uma outra iniciativa colaborativa, o Catarse.me. Nessa outra plataforma, é possível apresentar projetos e tentar angariar apoios financeiros de pessoas que você nem conhece para torná-los realidade. É o chamado crowdfunding. Disso uso, disso cuido
Para a jornalista Melina Pockrandt, a plataforma tem sido uma grande aliada. “Sou de Curitiba e escrevo para uma revista nacional de educação. Então, preciso de fontes de todo o Brasil. Mas, a cada edição, eu entrevisto pelo menos duas escolas e não posso ficar repetindo fonte. Em determinado momento, nossos contatos se esgotam e o Ajude um Repórter ajuda a encontrar novas fontes”, afirma Melina.


Fundado por dois estudantes de Administração da FGV de São Paulo, em parceria com uma empresa de softwares gaúcha, o portal foi inspirado em modelos da wikieconomia já implementados no exterior e que vinham dando certo. “Ficamos encantados pelo modelo, pois tinha tudo a ver com a forma que pensávamos que um negócio deveria ter: colaborativo, conectado às mídias sociais e capaz de promover mudanças na sociedade”, conta Diego Reeberg, um dos sócios do Catarse.me.
“Diversas iniciativas estão se realizando com dinheiro coletivo, recolhido de suas comunidades e potencializadas pelas redes sociais. São projetos que talvez não conseguissem recursos de outras formas e a tecnologia diminuiu as barreiras para a arrecadação, tornando possível o que era impossível no cenário anterior”, afirma Gustavo Carneiro, do Ajude um Repórter.
“No crowdfunding você testa uma ideia, se arrisca antes, tem o dinheiro com rapidez na mão e realiza já alguma coisa do seu trabalho. É uma maneira diferente de se produzir e de se pensar o seu próprio mercado”, explica Vanessa Oliveira, coordenadora de outro site de financiamento colaborativo, o Movere.me.
“Os financiadores são, na maioria, pessoas da rede do autor do projeto. Mas, lógico, muitas outras pessoas que apoiam são desconhecidos do realizador que acabaram se identificando com a ideia, com a causa daquele projeto e resolveram apoiar. Outra razão para colaborar são as recompensas (obrigatoriamente, o autor de um pedido de financiamento tem de oferecer contrapartidas aos apoiadores)”, complementa Diego.
A educomunicadora Evelyn Araripe é uma financiadora assídua do Catarse.me e diz que apoia projetos com os quais tem algum tipo de aproximação. “Até agora apoiei quatro projetos, todos porque eu tinha alguma relação com a temática e conhecia participantes do projeto. Dos que apoiei, em todos eu vi possibilidades de transformação social e pessoal, tanto minha quanto dos envolvidos no projeto. Por isso me motivei a ajudar”, conta.
A relação, entretanto, nem sempre é tranquila e, assim como em negócios tradicionais, há sempre espaço para a frustração e negócios mal feitos. Evelyn, por exemplo, conta que nunca recebeu as recompensas de um dos projetos que apoiou. “Dá a impressão de que eles ‘se aproveitaram’ das pessoas, que fizeram uma super mobilização para arrecadar o dinheiro e depois sumiram. Nesse caso parece que a grana era o mais importante e não o projeto – ou as pessoas – em si”, conta.
A massa vai às compras
A ação em grupo tem se mostrado uma forte arma também para quem consome. Febre no Brasil, as compras coletivas, mesmo dividindo opiniões quanto à sua real eficiência e a durabilidade do seu modelo, têm movimentado o mercado e criado novos hábitos de consumo junto ao público que utiliza o serviço.
Compra coletiva, entretanto, não significa apenas adquirir um produto com baixo custo em um dos tantos sites de ofertas existentes por aí. Um pouco menos populares, as mobilizações para consumo por demanda têm ganhado espaço, abrindo mercados antes vistos como inviáveis. O funcionamento é simples e bem parecido com o de sites como o Peixe Urbano e o Groupon. A diferença é que, em vez de o site mobilizador negociar primeiro com a empresa fornecedora e em seguida divulgar uma oferta, ele abre espaço para os usuários demandarem um produto ou serviço e, em seguida, negocia com a outra parte.
No Brasil, um exemplo desse tipo de iniciativa é o Mobz, site voltado para o mercado de cinemas. Nele, os usuários se cadastram e podem votar em filmes que querem ver na sua cidade. Caso o público mínimo estipulado seja atingido, as salas integrantes do circuito são contatadas e a exibição é negociada.
Mudança de hábitos na grande feira virtual
Uma grande feira, onde há gente vendendo, comprando e trocando produtos. Poderia ser um mercado de escambo na Europa medieval. Mas é a Internet mesmo. Afinal, não é isso que fazemos em sites como Mercado Livre e eBay? Iniciativas como a desses dois sites são a materialização mais clara do que é o chamado consumo colaborativo, uma forma de reduzir custos e mudar hábitos.
“O consumo colaborativo permite que as pessoas, além de perceberem os benefícios enormes do acesso a produtos e serviços em detrimento da propriedade, economizem dinheiro, espaço e tempo”, destacam Rachel Botsman e Roo Rogers no livro “O que é meu é seu – Como o consumo colaborativo vai mudar o nosso mundo”.
“Redes sociais, redes inteligentes e tecnologias em tempo real também estão conseguindo superar modos ultrapassados de hiperconsumo, criando sistemas inovadores baseados no uso compartilhado”, complementam os autores.
Enfim, o mundo mudou e, mesmo que muita gente ainda não tenha percebido como estão se dando as transformações, elas parecem irreversíveis. Pode até ser que alguma dessas novas ideias não dure muito e algumas se tornem obsoletas em pouco tempo. Mas uma coisa é certa: há cada vez menos espaço para as velhas maneiras de se fazer negócios.

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