Se alguém
mata uma pessoa, e consegue escapar da polícia, mantendo-se fora do alcance da
lei por um longo período, o crime prescreve. Ou seja, vinte anos depois do
delito cometido, fica extinguida a punibilidade do criminoso por o Estado não
tê-lo julgado e condenado em tempo hábil. Agora pense bem: se até a Justiça
admite que depois de os ânimos serenarem ninguém precisa mais de castigo, talvez
a gente também devesse suspender a pena daqueles que cometeram crimes contra o
nosso coração.
Mágoas
entre pais e filhos, por exemplo. Não tem nada mais complicado do que família,
você sabe. Amor à parte, os desentendimentos são generalizados, e às vezes uma
frustração infantil segue perturbando a gente até a idade adulta. Seu pai nunca
lhe deu um abraço? É um crime fazer isso com uma criança, mas é preciso
prescrevê-lo. Vinte anos depois, não dá para continuar usando essa justificativa
para explicar porque você usa drogas ou porque não consegue ser afetuoso com os
outros. Cresça e perdoe.
Você
jurou que nunca mais iria falar com aquele seu amigo que lhe dedurou no colégio?
Olha, eu também acho que deduragem é falta de caráter, e você teve toda a razão
de ficar danado da vida. Mas quanto tempo faz isso? O cara agora está jogando
futebol no seu time, tem sido um companheirão, e você segue não baixando a
guarda por causa daquela molecagem do passado. Releve e chame o ex-inimigo para
tomar uma cerveja, por conta dos novos tempos.
Ai, agora
é dureza. Ele foi o amor da sua vida. Chegaram a noivar. Você já estava
comprando o enxoval quando o cara terminou tudo. Por telefone. Não deu
explicação: rompeu e desligou. Na semana seguinte foi visto enrabichado numa
bisca. Você deseja ardentemente que ambos caiam numa piscina lotada de piranhas
famintas. Apoiado. Mas faz quanto tempo isso? Você já casou, ele já casou,
aquela bisca não durou nem duas semanas. Por que ainda fingir que não o vê
quando o encontra num restaurante? É bandeira demais ficar tanto tempo magoada.
E a tal da superioridade, onde fica? Dê um abaninho pra ele.
Se quem estrangula e degola recebe o perdão da
sociedade depois de duas décadas, os pequenos criminosos do cotidiano também
merecem que a passagem do tempo atenue seus delitos. Não cultive rancor. Se não
quiser mais conviver com quem lhe fez mal, não conviva, mas não fique até hoje
armando estratégias de vingança. Perdoe. Vinte anos depois, bem
entendido.
_Martha Medeiros_ Cronista Jornal Zero Hora
Nenhum comentário:
Postar um comentário