
Eu, muito
tempo atrás, perdi o gosto pela Coca-Cola. Talvez a causa se encontre em suas
bolhas efervescentes — há simplesmente muitas delas. Ou talvez o motivo seja, em
sua versão americana, a doçura pegajosa do xarope de milho (subsídios para o
milho e tarifas sobre o açúcar estão por trás disso). Ou talvez a razão seja o
fato de que, depois de tomar uma dose, eu sinto um zumbido louco seguido por uma
explosão devastadora. Eu jamais consegui entender como é que alguém ainda
permanece acordado depois de um hambúrguer gigante, uma poderosa porção de
batatas fritas e uma coca enorme.
Parece que não estou sozinho aqui. A Coca-Cola anda
sofrendo com vendas em declínio na América do Norte e até mesmo no globo
inteiro. O preço das suas ações foi atingido. Os gostos dos consumidores parecem
estar mudando, migrando das bebidas fortemente açucaradas e saturadas de ácido
carbônico para a água engarrafada, as bebidas desportivas e os energéticos. No
drive thru do fast
food da minha localidade, eu percebi que eles
estavam promovendo as suas próprias bebidas geladas especiais em detrimento das
bebidas gasosas convencionais.
Por que
isso importa? Agora, batucando em meus ouvidos, ecoam os muitos anos de
comentários histéricos de intelectuais que criticavam o suposto poder que a
Coca-Cola exerce sobre o planeta inteiro. Eles se queixam de que os símbolos da
Coca-Cola praticamente adornam o mundo todo; eles dizem que essa bebida engana
as massas faz mais de um século; eles argumentam que essa bebida é o sinal mais
visível da corrupção do capitalismo.
Mas
espere! Certamente, as pessoas podem decidir beber ou não beber. Não, não, diz a
elite intelectual que constantemente nos avisa do "mito da escolha" no mercado.
Nós somos governados por forças estranhas que se encontram fora do nosso
controle. Nós temos o receio de que, se não fizermos isso, se não bebermos a
coca, não faremos parte da tendência predominante, não nos adequaremos às
expectativas impostas corporativamente em relação à maneira como deve ser o
nosso comportamento. Em vez disso — em vez de poder escolher —, nós somos os
peões de um jogo no qual essa assustadora empresa exerce o supremo papel de
rei.
Bem,
pense novamente. O que acontece é que o verdadeiro poder está nas mãos dos
consumidores. Pare de consumir algo, e essa coisa desaparece. É assim que o
mercado funciona. Nem mesmo um legado de 127 anos e uma tradição cultural
aparentemente invencível são capazes de obliterar a decisão básica de comprar ou
não comprar.
Outro
sinal do declínio da Coca-Cola é o fato de que ela recentemente caiu do primeiro
lugar para o terceiro lugar no ranking das marcas globais mais
respeitadas. O novo número um é a Apple, e o número dois é o Google. Com efeito,
dentre as 100 marcas que se encontram no topo, todas aquelas que apresentam
movimentos mais rápidos são empresas de tecnologia. Trata-se de uma prova de
como a comunicação está mudando o mundo. Mais comunicação significa mais
concorrência — bem como a derrocada de hábitos arraigados.
Eu posso
não morrer de amores pela bebida, mas nunca entendi o ódio que ela causou e
continua causando. A Coca-Cola ostenta uma imensa contribuição à história
cultural com a sua maravilhosa publicidade que se estende por todo o século XX.
Você pode definir as décadas pelo brilhantismo dessa publicidade — os desenhos
das antigas lojas de bebidas gasosas (soda-jerk); as campanhas de
"ensinar o mundo a cantar"; o urso polar; ou as atuais fantásticas homenagens ao
comércio além-fronteiras que reforça a paz e combate o desejo pela
guerra.
Eu ainda
me lembro de, alguns anos atrás, estar sentado na arquibancada em um jogo de
baseball e de me maravilhar com a absoluta imensidão do símbolo da
Coca-Cola que estava pairando sobre o estádio. Por que essa empresa teve de
gastar tanto com publicidade? Com certeza, nenhuma pessoa que estava sentada no
estádio desconhecia a coca. Então, qual é o porquê dessa mania de promover a
marca?
A
publicidade, por si só, demonstra que a Coca-Cola, na verdade, não tem um
"poder" sequer semelhante àquele que a polícia possui. Ela não tem a capacidade
de obrigar as pessoas a beberem o seu produto. Essa publicidade, efetivamente,
não significou desperdício de dinheiro. Ela estava promovendo a marca na
esperança de mantê-la constantemente em nossas mentes, bem como fazendo
propaganda do próprio apoio da empresa ao grande esporte que é o
baseball. Existem mensagens subliminares em todos os anúncios
publicitários? A Coca-Cola, com certeza, espera que sim.
E não há
nada de errado nisso. Mas o que acontece quando os gostos mudam radicalmente?
Isso é um problema grave. Os especialistas estão dizendo que os consumidores
repentinamente passaram a preferir bebidas amargas com menos bolhas
efervescentes. A Coca-Cola pode modificar a sua receita ou introduzir, digamos,
a bebida Coca-Cola Energy? Bem, ela é uma sobrevivente, então tudo é
possível. Basta dar uma olhada em todas as marcas que ela adquiriu recentemente
apenas para cobrir as suas apostas.
Você sabe
o que é ainda mais espetacular do que o declínio da Coca-Cola? Olhe para a água
engarrafada que a está substituindo. Agora, se os opositores da economia de
mercado desejam criticar alguma coisa, trata-se de um caso perfeito. Muito do
material da água engarrafada é mais caro do que a gasolina, que tem de ser
extraída da terra e ser refinada em um processo incrivelmente complexo, baseado
em intenso uso de bens de capital.
Na
maioria das vezes, eu não consigo diferenciar uma garrafa de outra. Por falar
nisso, eu nunca realmente entendi o que há de errado com a água da torneira. Mas
de gustibus non est disputandum ("gosto não se discute") e tudo o
mais.
Se você
fosse um planejador central, com a finalidade de definir preços
independentemente da experiência de mercado, você estabeleceria o preço da
gasolina ou da água engarrafada em patamares elevados? Trata-se de uma escolha
muito óbvia, tendo como base tão-somente considerações tecnológicas. Entretanto,
os mercados existentes realmente nos demonstraram um resultado diferente de
qualquer ideia que um intelectual de fora poderia alguma vez
conceber.
De todas
as coisas bonitas da economia de mercado, a sua característica mais admirável é
a sua capacidade de confundir os intelectuais com surpresas implacáveis e
resultados inesperados. Em sua pura imprevisibilidade, o mercado funciona no
universo como uma força que nos torna humildes e como um lembrete de que, neste
mundo, o verdadeiro e principal poder sempre residirá nas forças organizadoras
descentralizadas da própria sociedade.
As
pessoas poderosas podem retardar o progresso do mundo, mas elas não podem
impedi-lo de mudar. Graças ao mercado, nós sempre estaremos redescobrindo a
grande verdade de que o curso dos acontecimentos mundiais não é algo que alguém
— nem mesmo uma empresa gigante como a Coca-Cola — possa definitivamente
controlar.
http://neideidentidade.blogspot.com.br/2014/06/o-mito-do-poder-da-coca-cola.html
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