segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O tempo perdoa tudo (Crônica)

Se alguém mata uma pessoa, e consegue escapar da polícia, mantendo-se fora do alcance da lei por um longo período, o crime prescreve. Ou seja, vinte anos depois do delito cometido, fica extinguida a punibilidade do criminoso por o Estado não tê-lo julgado e condenado em tempo hábil. Agora pense bem: se até a Justiça admite que depois de os ânimos serenarem ninguém precisa mais de castigo, talvez a gente também devesse suspender a pena daqueles que cometeram crimes contra o nosso coração.
Mágoas entre pais e filhos, por exemplo. Não tem nada mais complicado do que família, você sabe. Amor à parte, os desentendimentos são generalizados, e às vezes uma frustração infantil segue perturbando a gente até a idade adulta. Seu pai nunca lhe deu um abraço? É um crime fazer isso com uma criança, mas é preciso prescrevê-lo. Vinte anos depois, não dá para continuar usando essa justificativa para explicar porque você usa drogas ou porque não consegue ser afetuoso com os outros. Cresça e perdoe.
Você jurou que nunca mais iria falar com aquele seu amigo que lhe dedurou no colégio? Olha, eu também acho que deduragem é falta de caráter, e você teve toda a razão de ficar danado da vida. Mas quanto tempo faz isso? O cara agora está jogando futebol no seu time, tem sido um companheirão, e você segue não baixando a guarda por causa daquela molecagem do passado. Releve e chame o ex-inimigo para tomar uma cerveja, por conta dos novos tempos.
Ai, agora é dureza. Ele foi o amor da sua vida. Chegaram a noivar. Você já estava comprando o enxoval quando o cara terminou tudo. Por telefone. Não deu explicação: rompeu e desligou. Na semana seguinte foi visto enrabichado numa bisca. Você deseja ardentemente que ambos caiam numa piscina lotada de piranhas famintas. Apoiado. Mas faz quanto tempo isso? Você já casou, ele já casou, aquela bisca não durou nem duas semanas. Por que ainda fingir que não o vê quando o encontra num restaurante? É bandeira demais ficar tanto tempo magoada. E a tal da superioridade, onde fica? Dê um abaninho pra ele.
Se quem estrangula e degola recebe o perdão da sociedade depois de duas décadas, os pequenos criminosos do cotidiano também merecem que a passagem do tempo atenue seus delitos. Não cultive rancor. Se não quiser mais conviver com quem lhe fez mal, não conviva, mas não fique até hoje armando estratégias de vingança. Perdoe. Vinte anos depois, bem entendido.
_Martha Medeiros_ Cronista Jornal Zero Hora

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