Tenho uma
amiga que diante das circunstâncias mais difíceis costuma afirmar: “E isto
também passará!” Pura verdade. Tudo passa. Nada permanece inalterado. Nada
permanece o tempo todo, do mesmo modo, no mesmo lugar. Inclusive aquilo que
gostaríamos que não passasse nunca. Aprendi, embora tantas vezes esqueça e as
circunstâncias me convidem a relembrar, que a ordem natural das coisas é a
fluência, o movimento. O fechamento de um ciclo e a inauguração de
outro.
A natureza,
que tem dado claros sinais de contrariedade com o pseudocontrole dos homens, há
séculos dá aulas gratuitas a respeito disso, com ou sem plateia. É só a gente
olhar para as várias feições da lua. Para o movimento das ondas do mar. Para os
diferentes tons do céu num período de 24 horas. Para a dança da floração das
plantas. Para o caminho que a semente faz até se vestir de fruto. Intimamente,
basta olharmos pra nós mesmos, usando o espelho de fora ou o espelho de
dentro.
Durante a
nossa jornada temos inúmeras oportunidades para olharmos nos olhos da morte. Com
o tempo, começamos a perceber que, no fundo, ela não é outra coisa senão um
jeito diferente que a vida arruma para se vestir. Mas, ai, como costuma ser
difícil lidar com as mudanças da nossa própria vida. Como é difícil assumir a
morte das coisas, mesmo as mais moribundas, sobreviventes apenas pelos tubos do
apego. Como é difícil arrumar os armários do próprio coração. Ter coragem para
se desfazer daquilo que já não nos serve e sabemos que não irá mais nos servir.
Crenças. Padrões. Expectativas. Auto-imagens.
Há fases em
que somos tocados com tanta rispidez pelas experiências do nosso caminho, que,
muitas vezes, sem sequer percebermos, trocamos de mal com o riso, com a
felicidade, com o compromisso maior, aquele que temos com o nosso coração. De
alguma maneira, geralmente sutil, rompemos com tudo. Com todos. Principalmente,
com nós mesmos. Sentimo-nos muito tristes e tentamos paralisar o movimento da
vida a partir do núcleo do nosso medo.
Fases em que
não nos encantamos com mais nada. Esquecemos o gosto bom das alegrias mais
simples. Vedamos nossos olhos à grandeza do milagre presente em todas as coisas.
Agarramo-nos à nossa dor com tanto zelo que nem o ser mais luminoso e bem
intencionado do universo parece ser capaz de nos dissuadir de soltá-la.
Assustados, na tentativa de nos protegermos de mais dor, ignoramos que a dor
maior é a própria estagnação. A tentativa de interrupção do fluxo. A negação em
nos rendermos, outra vez, à dança da vida.
Nessas fases
doídas da caminhada, a gente esquece, sim, de que tudo passa. Esquece,
sobretudo, que precisamos permitir que passe. E que não há muito o que fazer
nesses momentos, senão entregar e confiar, eta tarefa difícil. Deixar que as
coisas morram e abram espaço para o novo. Aceitar o intervalo da travessia, em
que as coisas não têm mais a forma antiga nem ainda a forma nova. O tempo da
crisálida: nem mais lagarta nem vôo ainda. Respeitar a cadência natural das
gestações. Lembrar que precisamos ser delicados e generosos com nós mesmos para
atravessar a frente fria até o sol surgir de novo. Lembrar que tudo é
impermanente.
_Ana
Jácomo_
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